Professor Orientador Anderson Ramires Pestana
Alexandra Orlandi Paris
RESUMO
Esse artigo tem por objetivo elucidar, de forma simplificada, o estudo da proteção contratual no âmbito do direito do consumidor, visto que este ramo tem tomado, a cada dia, mais espaço e importância na vida em sociedade. Não se pode, ainda, deixar de analisar o tema de forma constitucionalizada, eis que a Constituição Federal lhe concede o status de direito e garantia fundamental. Vive-se em uma sociedade dominada pelo consumo, pelos meios de comunicação em massa, e a necessidade de se “encaixar” em uma comunidade de indivíduos semelhantes acaba levando o consumidor a efetivar relações jurídicas de forma despreparada, causando-lhe desvantagem e prejuízos. Com o intuito de equilibrar essa relação, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, apoiado nos mandamentos constitucionais, traçou regras a serem seguidas visando a proteção do consumidor, garantindo-lhe dignidade e cidadania.
INTRODUÇÃO
A vida em sociedade demanda o consumo. Em toda relação social existe aquele que possui determinado bem, ou presta determinado serviço, e aquele que necessita destes. Nos primórdios da sociedade essas relações eram simples, trocava-se um bem ou serviço por outro bem ou serviço. À medida que o conhecimento de capital foi sendo incorporado nessas relações, criaram-se complexidades nunca antes vistas, até chegar-se na época atual.
Na sociedade moderna as relações de consumo tomaram níveis internacionais. Vêem-se, hoje, empresas que fabricam produtos em determinado continente e os fornecem para todo o mundo, e até mesmo fornecedores que atuam exclusivamente pela internet, sem qualquer ligação direta com o consumidor. Essa situação acabou por criar no consumidor uma vulnerabilidade, eis que este, necessitando adquirir bens e serviços muitas vezes essenciais, era obrigado a atender aos ditames desproporcionais estabelecidos pelos fornecedores. Para solucionar esse impasse, começou a se desenvolver pelo mundo a idéia de que o consumidor precisava de uma proteção a mais. Essa idéia foi se firmando mundialmente, através de tratados internacionais e normas aplicadas em diversos países, chegando ao Brasil. No nosso ordenamento jurídico, o assunto teve iniciação gradativa, começando com leis esparsas e entendimentos analógicos, até ser efetivamente tratado pela Constituição Federal de 1988. A partir desse momento surgiram diversas normas objetivando proteger o consumidor, sendo o Código de Proteção e Defesa do Consumidor a mais importante delas.
Para tratar com eficiência, ainda que simplificadamente, sobre o tema, este artigo foi dividido em três capítulos. No primeiro, será demonstrada a cronologia do surgimento do direito do consumidor, com ênfase na fase nacional. E ainda haverá aprofundamento no tema quando da sua contemplação pela Constituição Federal, visto como direito fundamental. Num segundo momento serão elucidados alguns termos utilizados no ramo consumerista, eis que o entendimento da relação de consumo e as partes e objetos nela presentes é pressuposto para o entendimento do assunto tratado. O capitulo final apresenta o tema em si, ou seja, a proteção contratual analisada no Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
1. O DESENVOLVIMENTO DO DIREITO DO CONSUMIDOR
As relações de consumo existem há milhares de anos. Desde o surgimento das sociedades mais primitivas, observa-se a necessidade de se realizarem trocas entre aqueles que possuem determinados bens e aqueles que necessitam destes. Com o passar do tempo essa relação tomou um caráter mercantil, e aquele que detinha o bem se viu em posição de exigir algo “a mais”. Conheceu-se o lucro, surgindo o comércio.
Muito tempo se passou desde as primeiras relações consumeristas, onde eram concretizadas pequenas trocas, até o momento atual, onde a produção em massa domina o mercado e aqueles que fornecem determinado produto se encontram espalhados por todo o mundo, perdendo-se aquela relação direta, antes essencial, entre quem vende e quem compra.
Essa globalização das relações de consumo trouxe muitos benefícios ao consumidor, que viu preços caírem em decorrência do aumento de ofertas de determinado bem, ou pelo avanço tecnológico causado pela concorrência. Por outro lado, o consumidor vem sendo atacado pela incessável chegada de novos bens ao mercado, pelas ofertas e propagandas abusivas, pela conduta mercantilizada dos fornecedores, que buscam unicamente vender seus bens.
Diante dessa situação de fragilidade percebida nos consumidores perante o mercado de consumo, surgiu a necessidade de se criar mecanismos para protegê-los.
Em seu livro “O consumidor e seus direitos ao alcance de todos”, o professor Leonardo Bessa (2006) explica que a criação de normas de direito do consumidor começou a surgir na década de 70, com a “tendência de diversos países de elaborar leis para proteger o adquirente final de produtos e serviços, considerando especialmente que o consumidor é a parte mais fraca – vulnerável – nos mais diversos vínculos que estabelece com o fornecedor”.
O professor cita, ainda, como momento inaugural do direito do consumidor a mensagem de John Kennedy ao Congresso norte americano em 15 de março de 1962, onde destacou a importância de proteção ao interesses dos consumidores. Em sua mensagem John Kennedy já previa os alicerces do nosso direito consumerista.
A partir daí, a criação de normas visando proteger os consumidores só fez aumentar, crescendo em todo o mundo a necessidade de se criar um direito do consumidor.
A preocupação com os consumidores tomou tamanho merecimento que levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a reconhecer seus direitos e estimular os países a criarem políticas visando proteger as relações de consumo, como aduz João Batista de Almeida (2002): Pela resolução n. 39/248, de 16 de abril, a ONU baixou normas sobre a proteção do consumidor, tomando clara posição e cuidando detalhadamente do tema. A fazê-lo reconheceu expressamente que ‘que os consumidores se deparam com desequilíbrios em termos econômicos, níveis educacionais e poder aquisitivo’.
Percebe-se que a proteção ao consumidor passa a tomar âmbito globalizado, deixando de ser matéria local para se espalhar pelo mundo de forma unificada.
1.1 O DIREITO DO CONSUMIDOR NO BRASIL
Consoante ao caminho percorrido pelo direito do consumidor no mundo, a matéria no Brasil também teve gradativa evolução.
Em seus ensinamentos, o mestre João Batista Almeida traça o início do direito do consumidor no Brasil, onde relata:
“Como tema específico, a defesa do consumidor no Brasil é relativamente nova. São de 1971 a 1973 os discursos proferidos pelo então Deputado Nina Ribeiro, alertando para a gravidade do problema, densamente de natureza social, e para a necessidade de uma atuação mais enérgica no setor. [...] Como tema específico, no entanto, constata-se a existência de legislação que indiretamente protegia o consumidor, embora não fosse esse o objetivo principal do legislador.”
Sobre tais legislações, o mestre arrola a lei de usura, de 1933, a Lei de economia popular, entre outras.
Superado esse caminho gradativo sofrido pela matéria, constata-se como ponto crucial para a concretização do direito do consumidor, como tema a ser juridicamente efetivado, sua previsão na Constituição Federal de 1988. É o que entende João Batista de Almeida, ao dizer que: [...] a vitória mais importante nesse campo, fruto dos reclamos da sociedade e de ingente trabalho dos órgãos e entidades de defesa do consumidor, foi a inserção, na Constituição da República promulgada em 05 de outubro de 1988, de quatro dispositivos específicos sobre o tema.
O tratamento dado pela CF/88 constituiu importante avanço no entendimento do direito do consumidor como matéria fundamental à preservação dos direitos dos cidadãos, tanto clamado pela sociedade.
1.2 O DIREITO DO CONSUMIDOR E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A Carta Magna prevê, em diversos pontos, a importância da proteção dos consumidores, e tal é essa importância que inicia o tema elencando-o no título Dos direitos e garantias fundamentais, ensejando que a proteção de seus direitos constitui base para garantia da dignidade da pessoa humana, que é fundamento básico da nossa forma de governo, e meio de alcançá-la é o respeito aos direitos fundamentais de cada cidadão.
Em seu artigo 5º, a CF/88 estabelece que todo cidadão deve ser respeitado e tratado como igual perante a sociedade, e dentre as formas de atingir esse objetivo elenca o respeito ao consumidor, ao prever, no inciso XXXII, que ”o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, dando ao tema o status de cláusula pétrea.
Essa igualdade de que trata o artigo 5º muitas vezes só é alcançada através do tratamento desigual entre as partes, eis que cada uma possui características próprias que podem lhe conceder situação de poder ou fragilidade perante a outra. Para Ives Granda Martins (apud Alexandre de Moraes, 2008): A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. [...] o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça.
Daí a necessidade de se observar o consumidor como a parte vulnerável da relação consumerista e, consequentemente, de se criarem normas que o tratem dessa forma, equiparando-o ao fornecedor e permitindo-lhe lutar de igual para igual perante este.
A CF/88 também tratou do tema em seu artigo 150, §5º ao prever, em matéria tributária, que os consumidores devem ser esclarecidos sobre os impostos incidentes nas mercadorias e serviços. E ao estabelecer, no artigo 170, que a defesa do consumidor constitui princípio a ser observado pela ordem econômica nacional.
Por fim, para concretizar a necessidade de criação efetiva de normas consumeristas, previu o ADCT – Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, no artigo 48, que “o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.”
As previsões constitucionais constituem marco importante na implementação do direito do consumidor. Sobre o tema, Leonardo Bessa (2006) aduz:
A defesa do consumidor não está na constituição federal apenas como elemento decorativo. Reflete, na verdade, uma opção do legislador (constituinte) de conferir especial atenção à proteção dos seus interesses, o que traduz duas consequências mais visíveis. As normas infraconstitucionais (que estão em grau hierárquico inferior ao da Constituição) devem ser invalidadas se, de forma patente, não ponderarem adequadamente os reais interesses do consumidor. Além disso, toda a interpretação jurídica de norma que envolva, direta ou indiretamente, questões relacionadas ao consumidor, deve considerar a relevância conferida ao tema pela Lei Fundamental.
Vê-se, portanto, que a proteção ao consumidor não constitui simples capricho da sociedade, mas sim tema relevante e que garante respeito aos consumidores das mais diversas classes.
1.3 O CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR
Apesar do prazo de 120 dias previsto pelo ADCT, somente em 1990 foi publicada a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor - CDC, o qual entrou em vigor em 1991.
Neste código estão previstos todos os fundamentos para a efetiva proteção dos consumidores. Desde os princípios básicos a serem observados nas relações de consumo aos crimes em matérias consumeristas.
Para regular a aplicação do CDC, foi publicado o Decreto federal 2.181/97, que também trata de diversas proteções ao consumidor, além de pormenorizar a forma de aplicação do CDC e seus preceitos.
O citado Código trata de um tema de grande importância na sociedade atual, a proteção contratual do consumidor. Como visto anteriormente, as relações de consumo têm tomado âmbito globalizado, extinguindo-se aquela relação interpessoal entre fornecedores e consumidores. Em um contrato, pressupõe-se a discussão de cláusulas e termos, todavia, a celeridade com que as relações de consumo precisam ser concretizadas vem suprimindo essa fase, e o consumidor, que é vulnerável, necessitando do bem ou serviço, se vê obrigado a aceitar o contrato pré-estabelecido pelo fornecedor, razão pela qual é fundamental o estudo da proteção contratual aos consumidores.
2. RELAÇÃO DE CONSUMO
Para que haja a aplicação das normas de direito do consumidor é necessário que haja uma relação de consumo no vínculo jurídico existente entre as partes.
Essa relação é criada com o fornecimento de um bem ou serviço por um fornecedor e a aquisição desse bem ou serviço por um consumidor.
2.1 CONCEITO DE CONSUMIDOR
O CDC, no artigo 2° prevê que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Essa definição, apesar de aparentemente simples, demanda um detalhamento bem específico a respeito de cada item que a compõe.
O professor João Batista de Almeida, após analisar o assunto com destreza, conclui: [...] não ser tarefa fácil a de definir o consumidor no sentido jurídico. Isso porque há certa tendência a aceitar a concepção econômica de consumidor, que nem sempre é transferida e acolhida pelo direito, já que considerações políticas podem interferir nesse conceito, restringindo-o ou ampliando-o, o que compromete a margem de precisão que uma definição jurídica deve ter.
E após analisar exaustivamente diversos conceitos, considerou como satisfatório e coaduno com a orientação mais atualizada o trazido por Antônio Herman V. de Benjamin, que diz o consumidor como sendo: [...] todo aquele que, para seu uso pessoal, de sua família, ou dos que se subordinam por vinculação domestica ou protetiva a ele, adquire ou utiliza produtos, serviços, ou quaisquer outros bens ou informação colocados à sua disposição por comerciantes ou por qualquer outra pessoa natural ou jurídica, no curso de sua atividade ou conhecimento profissional (BENJAMIM, apud ALMEIDA, 2002).
É questão de discussão a inclusão da pessoa jurídica como sendo consumidor. Para alguns, a pessoa jurídica sempre é consumidor quando adquire um bem, em virtude do texto da lei. Para outros, somente se enquadra nessa definição a pessoa jurídica quando adquire bens ou serviços com a intenção de usá-los, em virtude da expressão “destinatário final” presente no artigo 2º do CDC.
Para Leonardo Bessa “não há duvida que a pessoa jurídica possa ser, por definição legal, consumidor. No entanto, [...] o CDC não deve proteger a pessoa jurídica quando ela compra produtos e serviços para desenvolver sua atividade econômica”.
Em que pese os conceitos acima, uma nova corrente vem sendo criada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na definição do consumidor. Segundo a Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ, o Tribunal:
[...] tem admitido, em precedentes julgados nas turmas da Seção de Direito Privado (Terceira e Quarta Turmas), não ser o critério do destinatário final econômico o determinante para a caracterização de relação de consumo ou do conceito de consumidor. Muito tem sido discutido, no âmbito do STJ, a respeito da amplitude do conceito de consumidor. A ministra do STJ Nancy Andrighi ressalta que ‘a aplicação do CDC municia o consumidor de mecanismos que conferem equilíbrio e transparência às relações de consumo, notadamente em face de sua situação de vulnerabilidade frente ao fornecedor’. Este aspecto (vulnerabilidade ou hipossuficiência) deve ser considerado para decidir sobre a abrangência do conceito de consumidor estabelecido no CDC para as relações que se dão em uma cadeia produtiva.
Diante de tanta discussão sobre o tema, nada mais correto que analisar caso a caso a situação do possível consumidor, para que o direito consumerista seja efetivamente aplicado.
2.2 CONCEITO DE FORNECEDOR
O conceito de fornecedor é pacífico, não gerando grande discussão entre os estudiosos.
Para o CDC, fornecedor é “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (artigo 3º).
Tal conceito, para a doutrina, não constitui rol taxativo, uma vez que qualquer pessoa que coloque no mercado produto ou serviço à disposição do consumidor é considerada fornecedor, ainda que não esteja expressamente definido no artigo 3º do CDC.
Nas lições de João Batista de Almeida (2002):
[...] diferentemente do que ocorre com o consumidor, o conceito de fornecedor não é debatido com freqüência pelos autores, talvez devido ao vasto leque de atividades econômicas e da amplitude da área de prestação de serviços. Talvez seja mais cômodo definir por exclusão, ou seja, dizer quem não pode ser considerado fornecedor. Em princípio, portanto, só estariam excluídos do conceito de fornecedor aqueles que exerçam ou pratiquem transações típicas de direito privado e sem caráter de profissão ou atividade, como a compra e venda de imóvel entre pessoas físicas particulares, por acerto direto e sem qualquer influência de publicidade.
E ainda estabelece o CDC que “produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” (art. 3º, §1º) e serviço é “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista” (art. 3º, §2º).
3. A PROTEÇÃO CONTRATUAL E O CODIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR
Esclarecida a relação de consumo de forma genérica, é preciso entrar no campo mais delimitado do tema, a forma como essa relação é juridicamente firmada: o contrato.
Segundo o dicionário Aurélio, contrato é “1. ato ou efeito de contratar. 2. Acordo de duas ou mais pessoas, empresas, etc., que entre si transferem direito ou se sujeitam a uma obrigação. 3. Documento que expressa esse acordo.”
Assim, pode se entender o contrato como a relação jurídica estabelecida entre duas partes, sendo uma contratante e outra contratada, que estabelece os direitos e deveres de cada uma, bem como os termos que devem nortear o cumprimento dos seus deveres e das suas obrigações.
A princípio espera-se que essa relação contratual seja analisada e discutida por ambas as partes, haja vista que as duas se vinculam aos termos ali expressos. Entretanto não é o que se tem observado.
A busca pela comercialização rápida, a demanda de vendas via internet, a falta de contato direito entre as partes, e diversos outros fatores, vêm contribuíndo para que os fornecedores imponham aos consumidores seus contratos pré-estabelecidos, não lhes dando direito a análise, tampouco à discussão.
Leonardo Bessa (2006) aduz que:
[...] hoje é muito raro encontrar um contrato celebrado com consumidor que tenha sido elaborado a partir da discussão de cláusula por cláusula, de uma avaliação cuidadosa das conseqüências da assinatura do documento. A grande maioria dos contratos são de adesão, ou seja, já vêm prontos, elaborados unilateralmente pelo fornecedor. O consumidor não tem possibilidade real de alterar as condições apresentadas – que são mais vantajosa para o fornecedor -, cabendo-lhe apenas assinar o documento.
Algumas dessas situações poderiam ser facilmente resolvidas com a recusa do consumidor em contratar um serviço ou adquirir produto nessas condições, entretanto em sua maioria o consumidor necessita do bem ou serviço oferecido, como é o caso do fornecimento de água, energia, telefonia, e até mesmo bens essenciais, como fogão, geladeira e alimentos. Nesses casos, o consumidor é obrigado a aceitar os termos impostos pelo fornecedor, o que acaba lha causando prejuízos.
O domínio da economia na sociedade trouxe consigo a idéia de que os contratos obrigam as partes, como se vê na expressão comum “o contrato faz lei entre as partes”, originada da expressão pacta sunt servanda. Todavia, o pensamento de que o ser humano deve ser visto acima do capital, ideal muito discutido a partir da Revolução Francesa, tem enfraquecido a idéia de soberania dos contratos, e com o passar do tempo, ainda que gradativamente, o consumidor tem sido alvo de regras visando sua proteção, para que possa se igualar ao fornecedor.
Para João Batista de Almeida (2002):
[...] o desequilíbrio nas relações contratuais trouxe como conseqüência abusos e lesões patrimoniais de toda ordem aos consumidores, que não encontravam resposta adequada no sistema até então vigente, mormente em razão da aplicação rigorosa do pacta sunt servanda, da falta de tratamento legislativo acerca da modificação e da revisão das cláusulas contratuais desproporcionais ou excessivamente onerosas, da falta de tipificação e sancionamento das cláusulas chamadas abusivas, da ausência de garantia legal e da não-regulamenteção da garantia contratual, entre outros motivos.
A situação descrita foi sanada com a vigência do Código de Proteção ao Consumidor, que estabeleceu em seu texto normas de proteção contratual nas relações de consumo, inclusive classificando como crimes as mais graves.
Na ponderação de João Batista de Almeida (2006) sobre o CDC, [...] em face a nova lei pode-se afirmar que o fornecedor não possui autonomia absoluta no ato de contratar; não pode preceituar livremente as cláusulas e condições que bem entender; deverá pautar-se pelos princípios da boa-fé e da equidade e pelo regramento imperativo do art. 51.
No Capítulo VI, o CDC traz o tema Da Proteção Contratual, onde estabelece regras de interpretação dos contratos visando sanar o abismo existente entre o consumidor e o fornecedor.
3.1 A FASE PRÉ-CONTRATUAL
O CDC estabelece em todo o seu texto a proteção contratual. No Capítulo VI o faz de norma direta, entretanto possui previsões aplicáveis ao tema em toda sua extensão.
Antes, então, de iniciar o tema sobre a proteção contratual, o CDC traz regras que norteiam a fase antecessora, onde trata da vinculação da oferta e da publicidade. Não seria correto se o fornecedor pudesse iludir o consumidor com propostas vantajosas para atraí-lo e depois descumprir com suas propostas elaborando um contrato desvantajoso ao consumidor.
Para evitar essa situação, o artigo 30 do CDC prevê que "[...] toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado."
E ainda sobre essas ofertas estabelece, no artigo seguinte, que devem conter informações claras para garantir o bom esclarecimento do consumidor.
Consoante é o ensinamento de João Batista de Almeida (2002) ao informar que [...] na fase pré-contratual, desde que suficientemente precisa, a oferta vincula o consumidor, ou seja, obriga-o a prestá-la, ou seja, à contratação e ao respectivo adimplemento. Bem por isso as características do produto ou serviço, veiculadas quando da oferta, por informação ou publicidade, passam a integrar o contrato.
O não cumprimento deste mandamento remete o consumidor aos dizeres do artigo 35 do CDC:
Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.
Constata-se que a lei consumerista não só preocupou-se em orientar a conduta do fornecedor, lhe dando regras no intuito de nortear a divulgação de ofertas e de trabalhar a publicidade, mas também concedeu ao consumidor meios de garantir seus direitos caso sejam lesados. Insta frisar que o direito de escolha das hipóteses do artigo 35 é do consumidor, uma vez que ele é a parte lesada.
3.2 CONTRATO DE ADESÃO
Contrato de adesão é definido pelo CDC como “aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo (artigo 54)”.
Assim, pode-se entender contrato de adesão como aquele em que o consumidor não teve oportunidade de analisar e discutir suas cláusulas, eis que foram impostas pelo fornecedor.
Sobre a apresentação de tal contrato, impõe o CDC, nos §§3º e 4º do artigo 54, que seus temos serão “redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”. E que “as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão”
Complementando o disposto acima, o artigo 46 do mesmo diploma legal preceitua que “os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”.
Percebe-se, assim, que o legislador preocupou-se em abarcar todas as possíveis formas de manipulação do contrato por parte do fornecedor, aplicando regras específicas visando proteger o consumidor de modo que não seja enganado quando da contratação de um serviço ou bem.
Sobre a aplicação da norma legal, Humberto Teodoro Junior (2002) leciona que “uma vez, porém, que a parte aderente fica privada de discutir os termos do contrato standard, a lei interfere nessa prática de negócio definido unilateralmente para verificar se o estipulante se prevalece de sua posição de predomínio econômico-social”. E com isso, busca a lei igualar as partes da relação jurídica.
Não obstante um rol de regras a ser seguido na elaboração de um contrato de adesão, o consumidor ainda constitui parte frágil, vulnerável, nessa relação. Por essa razão, o CDC aduz, no seu artigo 47, que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”, buscando, dessa forma, preencher todas as lacunas existentes para garantir o cumprimento das normas consumeristas.
3.3 DIREITO DE ARREPENDIMENTO
A atitude do consumidor, quando necessita de um bem ou serviço, é contratar o fornecimento deste. Quando a contratação é direta, em que o consumidor tem contato com o serviço ou produto adquirido, pode observá-lo, medi-lo, tocá-lo, entre outras posturas que o permitem conhecer o bem ou serviço que deseja.
Ocorre que com a globalização e a crescente informatização dos meios de consumo é crescente as contratações realizadas através da internet, do telemarketing, da visita a domicílio (catálogos, revistas, etc). Nesses casos, o consumidor não tem contato direto com o bem, tendo como margem de análise somente as informações dadas pelo fornecedor e a imagem apresentada do objeto jurídico. Por essa razão, o CDC, buscando proteger o consumidor, previu o direito de arrependimento.
Diz o artigo 49 do CDC que:
[...] o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
Para João Batista de Almeida (2002):
[...] a lei de proteção trouxe inovação nessa área, porém de forma limitada. Para os fornecimentos feitos no estabelecimento comercial, em presença do consumidor ou seu representante, em prévio conhecimento dos termos contratuais e mediante suficiente reflexão, vigora o principio pacta sunt servanda, ou seja, o consumidor deverá cumprir o que contratou, sujeitando-se as conseqüências do inadimplemento. Diferente é o tratamento no caso de essa contratação do fornecimento de produtos ou serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, via de regra por reembolso postal, telefone ou em domicilio. Nessa hipótese, presumindo que o consumidor não teve condições de examinar de visu o produto ou serviço, ou que, pelas circunstâncias, não refletiu o bastante sobre a aquisição que fazia, o legislador deferiu-lhe o direito de arrependimento, ou seja, de desistir do contrato.
Consoante ao parágrafo único do artigo 49, o consumidor, quando usuário do seu direito de arrependimento, deve ser ressarcido de todos os valores pagos, a qualquer título, ou seja, desde o valor pago pela mercadoria, como fretes, postagens, etc. Assim, procura o CDC não permitir que o consumidor seja lesado em qualquer valor quando desiste de permanecer com o bem.
3.4 EMPRÉSTIMO E FINANCIAMENTO
Em uma sociedade cada vez mais capitalista, as relações comerciais envolvendo outorgas de crédito e concessão de financiamento é crescente. Diante dessa realidade, não deixou o CDC de tratar do tema, elencando, em seu artigo 52, as informações que devem conter os contratos dessa natureza, verbis:
No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; III - acréscimos legalmente previstos; IV - número e periodicidade das prestações; V - soma total a pagar, com e sem financiamento.
O citado artigo continua protegendo o consumidor ao garantir que “as multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação”, e ainda, que “é assegurado ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos”.
3.5 COMPRA E VENDA E ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
Não fugiram da analise do CDC as situações em que o consumidor se vê impedido de adimplir com sua obrigação perante aos contratos de compra e venda e de alienação fiduciária, inclusive no sistema de consórcio.
Sobre o assunto são por demais esclarecedoras as lições de João Batista de Almeida (2002), ao dizer:
Nos contratos de compra e venda com pagamento parcelado, bem como na alienação fiduciária em garantia, o consumidor tem assegurado o direito à restituição das prestações pagas, considerando-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam o contrário, isto é, a perda total das prestações já pagas em benefício do credor (artigo 53, caput). O objetivo da lei é propiciar o entendimento entre as partes, para a solução amigável da pendência e desestimular o credor a tomar atitudes drásticas como a resolução do contrato e a tomada do produto alienado.
Apoiado neste entendimento, constata-se que a lei consumerista não tem qualquer intenção em prejudicar o fornecedor. Apenas busca formas de resolver amigavelmente a pendência. Dessa forma, auxilia ambas as partes e evita demanda exagerada perante o Judiciário e os órgãos de proteção ao consumidor.
3.6 CLÁUSULAS ABUSIVAS
Mesmo com todas as garantias estabelecidas, no que diz respeito à proteção contratual, o CDC ainda preocupou-se em estabelecer um rol de situações consideradas abusivas.
O artigo 51 do CDC traz este rol, considerado apenas exemplificativo, e prevê a nulidade da cláusula contratual que contenha qualquer comando ali enquadrado.
Observa Leonardo Bessa (2002), com pertinência, que: "Além da preocupação com a clareza e transparência, o CDC considera uma série de cláusulas nulas, ou seja, sem qualquer valor jurídico. Ao contrário do que informa o senso comum, nem tudo escrito no contrato vincula as partes [...]. Do mesmo modo que disciplinou o tema práticas abusivas a lei não indicou, exaustivamente, todas as cláusulas que podem ser invalidadas, mas traçou princípios para auxiliar a análise do caso concreto."
Estabelece o citado artigo:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; V - (Vetado); VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.
Analisado o comando legal, nota-se que em determinado momento o legislador se expressou de forma objetiva, designando claramente a conduta a ser considerada abusiva, com conseqüente nulidade. É o que se observa, por exemplo, na leitura dos incisos I, II e III, entre outros, do artigo 51.
Por outro lado, ciente de que não é possível contemplar, num único momento, todos os meios pelo qual o fornecedor pode abusar da fragilidade do consumidor, o legislador apresentou princípios a serem utilizados como norte na análise do caso concreto. É o que se vê, por exemplo, no inciso VI e V do citado artigo.
CONCLUSÃO
Analisando-se a evolução histórica sofrida pelas relações de consumo, percebe-se que o consumidor padeceu, por muito tempo, perante o fornecedor, sendo obrigado a aceitar suas exigências e imposições, uma vez que somente a partir da década de 70 o assunto começou a ser efetivamente tratado. Todavia, a partir da iniciativa de se proteger o consumidor como parte vulnerável da relação jurídica, a matéria criou força e atualmente é um dos temas mais discutidos no meio jurídico.
No Brasil, o ponto principal para o tema foi a sua inclusão em matéria constitucional, o que lhe concedeu importância e respaldo no meio jurídico.
A Constituição Federal tem como pilar o respeito á dignidade da pessoa humana. Para alcançar tal objetivo, tem como princípio o respeito à igualdade entre todos os cidadãos. Entretanto, entre o consumidor e o fornecedor existe um imenso abismo, como entre necessidade e poder. Não se pode, portanto, permitir que ambas as partes sejam tratadas igualmente pela lei, eis que isso nada mais seria que permissão da desigualdade. Por essa razão, a matéria de direito do consumidor, além de outras cominações constitucionais, veio prevista no artigo 5º, tratado-a como garantia e direito fundamental de cada cidadão.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, criado a partir de um comando constitucional, trouxe em seu corpo diversas previsões visando preservar o consumidor. Dentre essas, tratou da proteção contratual, buscando, assim, equiparar consumidor e fornecedor em uma relação de consumo, atendendo ao principio constitucional da isonomia.
Assim, conclui-se que a proteção das relações contratuais no direito do consumidor constitui respeito à Lei Suprema do ordenamento jurídico nacional, sendo de crucial importância para garantir a dignidade da pessoa humana.
BIBLIOGRAFIA
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1. Material da Internet
Superior Tribunal de Justiça. Sala de notícias: STJ aplica, caso a caso, CDC em relações de consumo intermediário. Disponível: https://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=99044. Acesso em 05 de junho de 2011.
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