Revista A Lógica do Direito = ISSN 2238-1937

FUNGIBILIDADE ENTRE A TUTELA CAUTELAR E A TUTELA ANTECIPADA

20-07-2011 14:51

Professor Orientador: Rubens da Silva Cruz

Ricardo Amaral Magalhães


RESUMO

A implementação da tutela antecipatória em nosso ordenamento jurídico teve o propósito de ampliar a tutela de urgência, proporcionando às partes em litígio, a garantia de que seu direito material estaria não mais apenas resguardado para uma futura execução, mas também pudesse ser satisfeito, mesmo que de forma provisória, em qualquer tempo do processo. Diante da relevância dessa garantia, não se deve punir a inadequação procedimental ao se pleitear tutela cautelar quando o apropriado seria a antecipação de tutela ou vice versa. Afinal ambas como tutelas de urgência, visam fins bem próximos e que muitas vezes levam os operadores do direito à dúvida sobre qual dos dois instrumentos deve ser manejado no caso concreto. Com isso, percebe-se a importância do direito brasileiro ter adotado o princípio da fungibilidade entre as duas espécies de tutela de urgência.


INTRODUÇÃO
O presente texto, resultado de pesquisa bibliográfica, apresenta as características da tutela antecipada e da antecipação de tutela, assim como suas diferenças destacando a adoção do princípio da fungibilidade entre elas, que são espécies do gênero tutela de urgência. Antes de tratar especificamente da aplicação do princípio da fungibilidade, faz-se necessário distingui-las e durante essa diferenciação abordam-se os requisitos exigidos a cada uma delas e a forma como devem ser pleiteadas.
Relata também que depois de muita divergência doutrinária a Lei 10.444/2002 inseriu o § 7º ao artigo 273 do Código de Processo Civil, dispondo que “Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental ao processo ajuizado.”
Resta saber se esse caminho oferecido ao Juiz para deferir a medida cautelar quando for demandado em antecipação de tutela, pode ser percorrido também de forma inversa, oferecendo antecipação de tutela quando a solicitação for de medida cautelar.  E isso também é tema de discussão deste estudo.


 1. DIFERENÇAS DA TUTLELA CAUTELAR E DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
Antes de tratar especificamente da aplicação do princípio da fungibilidade em tais tutelas de urgência, faz-se necessário conceituá-las e distingui-las apresentando as características comuns a ambas, além de suas peculiaridades.
Tanto a tutela cautelar quanto a tutela antecipatória têm o condão de inverter o ônus do tempo no processo, já que a concessão de qualquer delas, faz do réu o grande prejudicado com a morosidade na prestação jurisdicional. Para que essa inversão se faça presente, exige-se a demonstração do perigo de dano pela demora e do fumus boni iuris nas alegações do autor. Tais requisitos são intrínsecos a ambas as formas de tutela e pode-se dizer que formam o mérito do processo cautelar.
Como características comuns às duas medidas, também vale mencionar a cognição sumária, o caráter provisional e a possibilidade de serem concedidas por meio de liminar.
A diferença começa aparecer ao se analisar suas respectivas naturezas. Enquanto a tutela cautelar tem caráter conservativo, a tutela antecipatória tem natureza satisfativa.
“Ao passo que a função cautelar se exaure na asseguração do resultado prático de outro pedido, sem solucionar sequer provisoriamente as questões pertinentes ao mérito dele, a antecipação de tutela supõe necessariamente uma tal solução, no sentido de tomada de posição do juiz, ainda que sem compromisso definitivo, relativamente à posição do autor no que se costuma denominar ‘processo principal’ (no caso único existente)”  FURTADO, p16 2009.
Já que a tutela antecipatória, não visa apenas salvaguardar o direito material garantindo uma futura execução como faz a tutela cautelar, mas sim permitir desde logo o usufruto desse direito, a ela exige-se mais que o fumus boni iuris, ou seja, nela a plausibilidade do alegado deve ser corroborada com conjunto probatório, estando presente prova inequívoca e verossimilhança da alegação. Pelo mesmo motivo, deve-se dar especial atenção a outro de seus requisitos previsto no §2º do artigo 273 do CPC, que é o da reversibilidade do provimento a ser antecipado, pois não se trata de julgamento final da lide, e como prevê o §4º do mesmo artigo, poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo. Vejamos:


Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.  [...]
§ 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. [...]
§ 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.  [...]
 

Mas fundamental diferença entre as duas espécies de tutela de urgência se dá na forma de pleitear cada uma delas. O pedido da tutela cautelar deve ser processado à parte do feito principal, ao passo que o pedido de antecipação de tutela deve ser apresentado de forma incidental no próprio processo de mérito. Apesar disso, graças ao princípio da fungibilidade que é o objeto de estudo desse texto, a inversão na forma de pedir consiste em mero erro procedimental e não impedirá a apreciação da demanda, tenha ela natureza cautelar ou antecipatória, desde que presentes seus respectivos requisitos.

2. A FUNGIBILIDADE
Para o direito, a palavra fungibilidade significa substituir uma coisa por outra. Como já mencionado, a tutela antecipada é mais ampla que a tutela cautelar, ou seja, pedir a antecipação de tutela significa pedir mais que a tutela cautelar.  Por esse motivo para sua concessão exige-se um número maior de exigências, uma delas é que a cognição do juiz deve ser mais profunda do que aquela vista nas medidas cautelares. E como nada impede que o juiz opte em conceder a menor do pedido, a possibilidade da concessão da tutela cautelar quando o pedido se deu pela antecipação de tutela foi a opção adotada pelo legislador brasileiro, ao inserir  através da Lei 10.444/2002 o § 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil, que dispõe:
§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.
Tal dispositivo não deixou dúvidas quanto à aplicação do princípio da fungibilidade nesse sentido, conhecida como fungibilidade regressiva. A divergência da aplicação da fungibilidade entre as duas espécies de tutela de urgência agora se limita a discussão se essa mesma via pode ser cruzada no sentido oposto, ou seja, a possibilidade da concessão da tutela antecipada quando o pedido for de tutela cautelar, a chamada fungibilidade progressiva.
Parte da doutrina defende a impossibilidade da aplicação da fungibilidade progressiva, já que para ela não seria lícito ao juiz conceder tutela antecipada quando pleiteada uma medida cautelar, pois se deferiria satisfatividade sem pedido, ou ainda que se trataria de uma decisão ultra petita, vez que o magistrado deferiria o “mais” quando pleiteado o “menos”.
Observando o requisito essencial comum de periculum in mora e o posicionamento do legislador nessa atualização, sempre visando fortalecer a tutela de urgência, conclui-se que não se pode alegar que fosse sua intenção construir uma “via de mão única”. Tanto a fungibilidade regressiva quanto a progressiva só vem a contribuir com a prestação da tutela jurisdicional, garantido a aplicação da medida correta às necessidades do caso concreto. Assim também entende Cândido Rangel Dinamarco que preleciona:
“O novo texto não deve ser lido somente como portador da autorização a conceder uma medida cautelar quando pedida a antecipação de tutela. Também o contrário está autorizado, isto é: também quando feito um pedido a título de medida cautelar, o juiz estará autorizado a conceder a medida a título de antecipação de tutela, se esse for seu entendimento e os pressupostos estiverem satisfeitos. Não há fungibilidade em uma só mão de direção. Em direito, se os bens são fungíveis, isso significa que tanto se pode substituir um por outro, como outro por um. Bem pensando, nem precisaria a lei ser tão explícita a esse respeito, porque é regra surrada no direito processual que o juiz não está vinculado às qualificações jurídicas propostas pelo autor, mas somente aos fatos narrados e ao pedido feito. {...} O que importa é que os fatos narrados sejam capazes, segundo a ordem jurídica, de conduzir ao resultado que se postula`{...} Tal é também o significado e a medida de aplicação da correlação entre o provimento jurisdicional e a demanda, de muito em direito processual (arts. 128 e 460). É da jurisprudência pacífica que ‘inexiste dissenso entre o julgado e o libelo quando considerados exatamente os fatos descritos na inicial, não importando que lhe tenha sido emprestada qualificação jurídica não mencionada expressamente na inicial’ (STJ). Essa observação realça o duplo sentido vetorial da fungibilidade entre as medidas urgentes, acima demonstrado, porque mesmo sem o novo parágrafo do art. 273, o juiz já estaria autorizado a dar a sua própria qualificação jurídica aos fatos narrados pelo autor {...} Esse parágrafo tem, porém a virtude de ser explícito e específico, abrindo caminho à exorcização do fantasma da radical distinção entre medidas cautelares e antecipatórias.” DINAMARCO,  (p. 92-94, 2003,)
Mesmo a doutrina contrária à fungibilidade progressiva não é insensível a ponto de criticar a satisfação provisória em casos excepcionais, quando sua falta ocasione dano irreparável ao direito material, só porque o pedido foi de medida cautelar quando o correto seria de âmbito da antecipação de tutela. Pregam pela não aplicação da fungibilidade progressiva deliberadamente, mas acreditam que o direito da parte não deve ser negligenciado por mera divergência doutrinária quanto ao cabimento ou não da antecipação de tutela demandada em procedimento cautelar.
 “{...} apenas em casos excepcionalíssimos, a fim de se evitar dano grave e irreparável, a mão inversa haverá de ser admitida, permitindo-se a concessão de tutela antecipada quando formulado pedido cautelar”. CRUZ, 2006, p.161)
Vale ressalvar que mesmo com a adoção plena do princípio da fungibilidade entre as duas tutelas de urgência em estudo, a concessão de tais medidas está sujeita a presença de seus pressupostos. Estando vinculado o Juiz apenas conceder uma ou outra medida, quando preenchidos todos os requisitos próprios de cada uma delas.

CONCLUSÃO
É evidente a importância da aplicação cada vez maior das medidas cautelares e antecipatórias em nossos tribunais, como forma de garantir uma efetiva e tempestiva tutela jurisdicional. O princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, positivada pela redação do inciso XXXV do artigo 5o da Constituição Federal, não se limita a apreciação do pleito dos litigantes por parte do poder judiciário, mas também a responder efetivamente às suas demandas. Como forma de desburocratizar essa efetividade da tutela jurisdicional, o direito processual brasileiro adotou o princípio da fungibilidade entre as tutelas de urgência.
A norma expressa que garante a aplicação do princípio da fungibilidade entre a tutela cautelar e a antecipação de tutela é o § 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil. Fungibilidade essa que foi adotada de forma plena, ou seja, tanto a substituição de um pelo outro quanto do outro pelo um.
Portanto com a adoção desse princípio e presente a boa-fé, diante da inversão na forma de pedir, ao juiz cabe analisar a presença dos pressupostos da medida cabível ao caso concreto, independente de como ela foi demandada. Seja concedendo antecipação de tutela via procedimento cautelar, ou deferindo tutela cautelar mesmo com pedido de tutela antecipatória de forma incidental no processo de conhecimento.


REFERÊNCIAS
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil vol.II, 45o  edição- 2010
ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual de Direito Processual Civil vol. único, 3ª edição –2010.
CRUZ, André Luiz Vinhas da. As tutelas de urgência e a fungibilidade de meios no sistema processual civil. São Paulo: BH Editora e Distribuidora de Livros, 2006
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 6.ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003.
FABRÌCIO Adroaldo Furtado , Breves notas.
https://jus.uol.com.br/revista/texto/5400/a-fungibilidade-e-a-tutela-antecipada-no-direito-processual-civil-moderno acessado no dia 18 de junho de 2011 às 21h.
https://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Sebastian%20Watenberg%20Ruanoba%20-%20formatado.pdf  acessado no dia 18 de junho de 2011 às 20h
https://www.revista.ulbrajp.edu.br/ojs/index.php/jussocietas/article/viewFile/3/3 acessado no dia 19 de junho de 2011 às 09h.
 

 

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