
Professor Orientador Anderson Ramires Pestana
Wallace Marotto Pancieri
RESUMO
Este artigo trata da evolução histórica do Direito Internacional, seu contato com a defesa dos Direitos Humanos e da interação do Direito Internacional com o Direito brasileiro. Aqui será analisado o Estatuto de Roma quanto sua compatibilidade com a Constituição Federal Brasileira, bem como das normas aparentemente controversas entre a Constituição Federal Brasileira e o Tribunal Penal Internacional, dando ênfase aos aspectos da adoção da prisão perpétua como forma de penalidade aplicável pelo Tribunal e sua não aceitação no sistema brasileiro.
INTRODUÇÃO
Desde 1° de julho de 2002 passou a funcionar definitivamente o Tribunal Penal Internacional, de caráter permanente e buscando a imparcialidade em seus julgamentos, sucedendo os Tribunais Penais ad hoc’s criados para criar crimes de determinada situação. O Tribunal Penal Internacional surgiu durante a Conferência de Roma, ocorrida entre 15 e 17 de julho de 1998, recebendo 120 assinaturas, 21 abstenções e 07 países que se negaram a assiná-lo.
Entre os problemas encontrados na ratificação pelo Brasil do Tratado de Roma têm-se a questão da prisão perpétua, que parece conflitar com a previsão Constitucional que proíbe tal penalidade, porém, já restou claro que é possível admitir as duas disposições, já que a norma proíbe a pena perpétua no Brasil e a do Estatuto a permite em nível de jurisdição internacional.
Este trabalho tem a pretensão de analisar a ratificação pelo Brasil do Tratado que criou o Tribunal Penal Internacional, demonstrando a possibilidade da aplicação da cláusula de prisão perpétua por não conflitar com Lei interna, mostrando os posicionamentos favoráveis e contrários e delimitando a importância da criação de um Tribunal Penal de caráter permanente.
Para que se alcance os objetivos do trabalho realizar-se-á pesquisa teórica baseada em doutrinas de autores renomados como Flávia Piovesan e Valério Mazzuoli, entre outros, além de pesquisas feitas na internet sobre o tema.
A finalidade desta pesquisa é evidenciar o valor deste Tribunal e suas consequências no ordenamento brasileiro, mostrando que é possível aplicar a pena de prisão perpétua abordada no Estatuto sem que a Constituição Federal seja atingida.
No primeiro momento serão analisados os antecedentes históricos do Tribunal. E por fim, cuidar-se-á da compatibilidade da cláusula da prisão perpétua com a Constituição Brasileira, abordam-se os demais temas que geram controvérsia quanto a compatibilidade com a Carta magna e a validade dos tratados que tratem dos direitos humanos quando aceitos pelo Brasil.
1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO INTERNACIONAL AO DIREITO INTERNACIONAL PENAL
O Direito Internacional buscava inicialmente conter apenas os litígios civis entre Estados e/ou outros sujeitos de Direito Internacional Público, mas já se reconhecia a necessidade de um organismo que delimitasse crimes que atingem à população em comum, um organismo que fosse superior aos Estados. Até então, cabia a cada Estado compor os litígios penais.
Observada esta necessidade de cuidar de questões criminais em âmbito internacional, deram-se início as discussões sobre o caso após a Primeira Guerra Mundial, que não seguiram devido o medo que os Estados tinham de serem invadidos em suas soberanias, mas com a Segunda Guerra Mundial, evidenciou-se a brutalidade humana e tornou-se necessária a criação de um Tribunal Permanente para julgar tais crimes.
Não existe uma centralização de poder, os Estados encontram-se num mesmo patamar, não havendo grau de hierarquia entre si e é mantida a soberania entre eles, todavia, após diversos conflitos e diante da necessidade de uma solução em favor da Humanidade, surgiu a Corte de Haia, que, porém, não abrigou questões de ordem penal, mas constituiu um grande passo na história do Direito Internacional.
Apesar do nascimento da Corte Internacional de Justiça em Haia – 1922 -, é possível falar que os Direitos Humanos foram alvo do Direito Internacional com a fundação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, que em 14 de dezembro de 1948 tornou pública a Declaração Universal dos Direitos do Homem, resolução da Assembleia da ONU que se mostrou à frente da época.
Reconhecida a importância dos Direitos Humanos e já fundado um Tribunal de ordem Internacional que tratasse de assuntos cíveis, faltava regulamentar o âmbito criminal-internacional. Alguns tribunais deste tipo já haviam existido de forma temporária e foram chamados de Tribunais ad hoc, visando cuidar de um caso específico como, por exemplo, o de Ruanda e de Nuremberg, entretanto não supria a necessidade emergente de proteção a Direitos Humanos.
Com este intuito, durante a Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas, em julho de 1998 – Roma, foi aprovado o Estatuto do Tribunal, estabelecendo as condições e princípios norteadores do futuro Tribunal.
Este Tribunal talvez não chegasse a ser cogitado como é hoje se o mundo não houvesse passado pelas experiências que teve. Não se pode olvidar a importância de cada Tribunal Internacional ad hoc que existiu, eles suscitaram a questão da violação aos direitos humanitários, declarando-os e defendendo-os. Os Tribunais de Nuremberg e Tóquio foram criados por acordos e os da ex-Iugoslávia e Ruanda foram instituídos pelo Conselho de Segurança da ONU.
Estes dois últimos fizeram gerar questões sobre a natureza e a competência de Tribunais instaurados desta maneira e demonstrou a necessidade de uma regulamentação sobre o assunto.
Esta ideia já era absorvida pela ONU que desde 1992 já realizara nova resolução para que se elaborasse um projeto de uma corte permanente. Pela omissão de Direito Internacional.
2 O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA
Em 07 de fevereiro de 2000 o Brasil assinou o Tratado que criou o Tribunal Penal Internacional, a ele se submetendo, tendo sido aprovado nos moldes do parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal, e promulgado através do Decreto nº 4.388, em 25 de setembro de 2002, entrando, portanto, no ordenamento brasileiro, com força de emenda constitucional.
É crescente a presença do Brasil em acordos de grande complexidade, para que se mantenha a ordem nacional, as leis internas vão acompanhando essas ratificações de tratados na medida em que o Congresso as altera.
Aceitando suas cláusulas, cabe neste momento analisar o que difere da legislação pátria, dedicando ênfase a cláusula de prisão perpetua, objeto de estudo.
São controversas as normas acerca da entrega de nacionais ao Tribunal, as imunidades em geral e relativas ao foro por prerrogativa de função, a reserva legal, o respeito à coisa julgada e, por fim, cláusula de prisão perpétua.
Leciona MAZZUOLI (2007) que estas situações se referem inconstitucionalidade intrínseca do tratado, pois, respeitado o procedimento constitucional definido pelo direito interno do Estado, fere normas constitucionais de direito e não de forma.
3 NORMAS APARENTEMENTE CONTROVERSAS ENTRE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA E O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Em relação a entrega de nacionais ao TPI é interessante que o Estatuto diferenciou os institutos da Extradição e da Entrega. A última é considerada a entrega de uma pessoa de um Estado ao TPI e a extradição é a entrega da pessoa a outro Estado, conforme estes Estados tenham definido em tratado, convenção ou direito interno.
A Entrega faz parte da cooperação entre Estados e Tribunal prevista no artigo 91, § 2°, alínea “c” do Estatuto e por isso, as exigências feitas para a Entrega não podem ser mais rigorosas que para a Extradição.
Os Estados criam regras de Extradição para evitar que determinadas pessoas, naquele rol inclusas, sejam julgadas sem imparcialidade. O Tribunal preza por uma ordem mundial e não deve ser encarada a Entrega a ele como Extradição a um país qualquer.
O artigo 5°, LI, CF prescreve o direito individual de não Extradição que não conflita com o Estatuto de Roma, já que a aceitação das normas dele impede que se alegue violação à proibição de nacional à jurisdição do Tribunal.
No que tange às imunidades e ao foro por prerrogativa de função MAZZUOLI (2007) lembra que a maior parte dos crimes estabelecidos pelo Estatuto são praticados por pessoas que gozam de imunidades e privilégios, por isso o Tribunal isolou essas situações para que não impedissem seus julgamentos. A intenção do Estatuto foi garantir a punição daqueles que ocupam altas posições conhecidas nas histórias de conflitos armados internacionais como grandes responsáveis por crimes de grande repercussão internacional.
Referente à questão da reserva legal, o próprio Estatuto confere os princípios do nullum crimen sine legem e nulla poena sine lege. Desta forma não há que se discutir sobre a tipificação aplicada, o Tribunal só julgará os crimes previstos à sua competência.
A coisa julgada material, pela Constituição Federal brasileira não pode ser prejudicada por lei. Questiona-se o caso de o agente ter sido julgado no Brasil e o Tribunal resolver julgá-lo novamente, porém, tal situação não é possível, o Estatuto não aceita o bis in idem em sua jurisdição, sendo subsidiária à nacional e só será julgado se o julgamento local tiver sido forjado para absolvê-lo ou o Estado não estiver respondendo suficientemente ao julgamento (atraso, por exemplo). O Tribunal pode ainda revisar as decisões do STF sem que fira a Carta Magna.
É de frisar que o Estatuto de Roma criou o Tribunal Penal de Roma e declarou não só que este é subsidiário aos tribunais nacionais como que o próprio Estatuto é complementar às normas nacionais.
4 A PENA DE PRISÃO PERPÉTUA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA E A COMPATIBILIDADE COM O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Questão mais delicada é a discussão sobre a compatibilidade da pena de prisão perpétua aceita no Estatuto de Roma com a proibição de sua aplicação pela Constituição Federal brasileira.
O Estatuto de Roma ao se referir da prisão perpétua declara:
Artigo 77 - Penas Aplicáveis
1. Sem prejuízo do disposto no artigo 110, o Tribunal pode impor à pessoa condenada por um dos crimes previstos no artigo 5º do presente Estatuto uma das seguintes penas:
a) (...)
b) Pena de prisão perpétua, se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o justificarem.
Em contrapartida, a Constituição Federal brasileira, cuidando das modalidades de prisão adotadas, diz:
Art. 5º (...)
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis; (...) (BRASIL) – grifo nosso.
Primeiro deve-se saber que durante a Conferência que registrou a implantação do Tribunal ocorreu uma discussão acirrada sobre o tema e chegou-se a cogitar a possibilidade de aplicar-se a pena de morte. Relata OLIVEIRA (2006) que alguns países desejavam a inclusão de tal pena por ela estar presente em seus ordenamentos e a inexistência no TPI levaria a dificuldade de aplicação da pena de morte nesses países.
Todavia, a Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas não previa a pena em seu projeto e os Tribunais ad hoc’s de Ruanda e da ex-Iugoslávia, instituídos pela Assembleia Geral da ONU, também não se utilizaram de tal penalidade.
As Convenções de Direitos Humanos, já estabelecidas, faziam frente contra a pena capital e após muitos trabalhos optou-se por não incluí-la nas penas aplicáveis, mas no artigo 80 do Estatuto se expressou que as penas indicadas ali não impediam a aplicação de penalidades diversas no direito interno de cada Estado-parte.
Incluir a pena de prisão perpétua gerou conflitos ao parecer incompatível com os Direitos Humanos, afirmação usada por muitos países, dentre eles Brasil e Portugal. Entretanto, diferente da pena de morte, a prisão perpétua foi alegada no projeto da Comissão de direito Internacional da ONU e esteve presente em todos os Tribunais Internacionais ad hoc’s de cunho penal estabelecidos até então.
Contra as alegações da defesa dos Direitos Humanos, outros países declararam que limitar a pena de reclusão não puniria grandes crimes de maneira suficiente. Excluir-se essa pena também inviabilizava o tratado, pois já havia desconsiderado a pena de morte. Desse modo, veio à tona que abandonando a pena perpétua, outros tantos países também se sentiriam diante de um Tribunal insuficiente, OLIVEIRA (2006).
Buscando equilibrar os anseios dos Estados-partes, o Estatuto propugnou que cumprido dois terços da pena, ou 25 anos no caso da prisão perpétua, a pena seria analisada sob a possibilidade de ser reduzida. Não o sendo, a pena poderia ser reexaminada nos termos que definir o Regulamento Processual.
Alguns autores como BITENCOURT (2000) e CERNICCHIARO (2000) são contra a pena de prisão perpétua, considerada uma renúncia a soberania e ainda ofensa a norma da Carta Magna que considera cláusula pétrea a proibição da prisão perpétua, imutável por Tratado, Convenção, Emenda ou qualquer outro meio. Outro argumento é que a Constituição é mais benéfica e protetora aos Direitos Humanos, sendo superior a estipulação do tratado.
Rebatendo esses autores MAZZUOLI (2007) aplica:
A pena de prisão perpétua – que não recebe a mesma ressalva conferida à pena de morte – não pode ser instituída dentro do Brasil, quer por meio de tratados internacionais, quer mediante emendas constitucionais, por se tratar de cláusula pétrea constitucional. Mas isso não obsta, de forma alguma, que a mesma pena possa ser instituída fora do nosso país, em tribunal permanente com jurisdição internacional, de que o Brasil é parte e em relação ao qual deve obediência, em prol do bem estar da humanidade (MAZZUOLI, 2007).
Do lado que sustenta a compatibilidade temos a consideração de PIOVESAN (2007), considerando que os Tratados concernentes aos Direitos Humanos recebem atenção especial da Constituição Federal e são recebidos automaticamente como norma constitucional e sopesando que o Tribunal Penal Internacional pugna por Direitos Humanos, sua ratificação em nada prejudicaria o Direito Constitucional. Como ressalta OLIVEIRA (2006) citando PIOVESAN, apesar de não ser amante da penalidade perpétua, considera melhor vê-la aplicada que ver violado um direito da humanidade.
Ainda de acordo com Flávia Piovesan (2007), a possibilidade de imposição da prisão perpétua, somente quando justificada pela extrema gravidade do crime e pelas circunstâncias individuais do condenado, permitindo, ainda, a sua revisão após 25 anos de cumprimento, foi o consenso possível encontrado para conciliar o entendimento entre países favoráveis à adoção da pena de morte e países contrários à adoção, tanto dessa, quanto da pena de prisão perpétua.
A compatibilidade para MEDEIROS (2000) e STEINER (2000) existe já que o alcance da lei penal brasileira é interna e que o próprio Supremo Tribunal Federal chegou a extraditar pessoas a países que aplicariam a pena perpétua a eles. Acentuam que a proibição é dirigida ao jurista brasileiro e que, apesar de não concordarem com sua aplicação, em determinados casos cedem a extraditar permitindo seu uso.
Indo além, MAZZUOLI (2007) apresenta que o Supremo Tribunal Federal, concedeu extradições a países que adotam pena de morte, desde que a alterassem para pena de prisão perpétua, declarando que em algumas extradições há países que aplicam a prisão perpétua, não se chegou a negociar a diminuição para a pena de reclusão máxima de trinta anos.
Abordando a questão de a Constituição ser mais benéfica que o Estatuto, STEINER (2000) lembra que o Brasil, em determinadas situações, pode adotar a pena de morte, o que não existe no estatuto de Roma. As possibilidades da aplicação da pena de morte estão previstas no Código Penal Militar e a juíza Sylvia Helena H. F. Steiner demonstrou bons argumentos sobre o tema, como segue:
[…] A leitura do texto do Código Penal Militar (Decreto Lei 1.001, de 21.10.69), nos traz a triste visão de um extenso rol de delitos punidos com pena capital. A traição (art. 355), a fuga (art. 365), o dano em bens de interesse militar (art. 384), o abandono de posto (art. 390) são alguns exemplos. Prevê, ainda, alguns delitos cujas condutas típicas são semelhantes às que vêm elencadas no rol do Artigo 8 do Estatuto, ou no Artigo 3 Comum das Convenções de Genebra, que descreve os crimes de guerra. Também, a exemplo, pune nosso Código Penal Militar, com a pena de morte, os crimes de genocídio (art. 401), e de violência sexual (art. 407), este quando houver o resultado morte. Veja-se que não distante de diversas definições típicas trazidas pelo Estatuto, as quais, apenas em situações excepcionais, poderiam ser punidas com a pena de prisão perpétua. Portanto, nossa legislação interna, ao abrigo de dispositivo constitucional, prevê pena muito mais severa que aquela trazida pelo Estatuto para algumas figuras típicas análogas […]
Ademais, o Brasil ratificou o segundo Protocolo Adicional da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o qual, em seu Artigo 2, reafirma que os Estados signatários se comprometem com a abolição da pena de morte, ressalvando-se, no entanto, sua previsão aos casos de crimes de guerra.
Não há, pois, uma restrição moral ou substancial do constituinte contra a pena de morte em casos de crimes cometidos em situação de guerra, embora, nesse caso, tenha o Brasil assumido inclusive obrigações internacionais no sentido de não ampliar as hipóteses previstas. Diante dessa constatação, reforça-se a ideia de que a previsão restritiva à pena de prisão perpétua, dirigida ao legislador ordinário interno, não oferece resistência à apenação de crimes internacionais, em tudo assemelhados aos crimes cometidos em tempo de guerra - aqui compreendidas as situações de conflito previstas no Estatuto do TPI - que poderiam inclusive, na legislação interna, serem punidos com a pena capital.
Está no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que o Brasil visa alcançar a formação de um tribunal internacional dos direitos humanos e a Carta Maior do Estado Brasileiro acrescentou que o Brasil se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, confirmando, assim, a complementaridade entre eles. Abaixo se transcreve o dispositivo do ADCT e a norma Constitucional referidas: Art. 7º. O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos (ADCT, BRASIL). Art. 5º. (...) § 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão (BRASIL).
A criação e aceitação do Tribunal Penal Internacional demonstrou o apoio nacional à defesa dos Direitos Humanos, os quais têm sido de alto valor num país como o Brasil que tanto teve sua liberdade mitigada durante anos de ditadura e ante um mundo que sofreu e ainda sofre conflitos que demonstram o quão é preciso evoluir em prol da defesa da vida e da dignidade humana.
Última consideração deve ser feita sobre o efeito das sentenças proferidas pelo Tribunal Penal Internacional, elas não devem ser consideradas estrangeiras, pois são de ordem internacional. Sentença estrangeira é aquela proferida por Estado de soberania própria, que tem jurisdição sobre seu território. O TPI mantém jurisdição sobre vários Estados-partes, sem lhes atingir a soberania.
Assim sendo, para que manifeste efeito no território pátrio, não cabe exigir sua homologação pelo Supremo Tribunal Federal nos termos do artigo 105, I, alínea “i”, da Constituição Federal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito muda junto com sua sociedade. Não é de olvidar que a sociedade primitiva se limitava a um grupo pequeno e conforme ele cresceu vieram com ele problemas antes desconhecidos. Hoje o mundo é globalizado, interligado, existe uma comunidade internacional. Os fatos que antes se limitavam a uma pequena sociedade ou a um país, na atualidade afetam o mundo inteiro.
Chegou num ponto que o direito interno não supria a solução dos litígios penais, pois conflitos armados entre Estados se tornaram guerras mundiais que envolviam muitos países e conflitos armados internos afetavam a comunidade internacional.
A defesa dos direitos humanos se tornou mais ampla e a sociedade passou a exigir punição a quem os ofendesse, surgia a necessidade de um tribunal que se responsabilizasse por tais punições.
Fruto de muita discussão, o Estatuto veio a ser a expressão de um acordo multilateral que exime o tribunal de ser tachado de imparcial ou de excepcional. Estabelecendo um devido processo legal, adotou princípios gerais do direito, tipificando seus crimes de forma a respeitar a irretroatividade da lei e sua anterioridade.
Meio de proteção aos Direitos Humanos, busca punir os responsáveis por crimes de genocídio, de guerra, crimes contra a humanidade e de agressão. Seu caráter de norma de Direitos Humanos foi um propulsor à ratificação do Tratado pelo Brasil. O país tornou constitucional que propugnaria pela criação de um tribunal que agisse em defesa dos Direitos Humanos e o TPI se apresentou como apto a tal defesa, fortalecendo a soberania dos seus Estados-partes e agindo de forma subsidiária à jurisdição nacional.
É evidente que o Brasil, em determinadas situações, chega a adotar pena capital, que é mais violenta que a prisão perpétua, assim, a proibição desses tipos de pena feita pela Constituição Federal se refere tão somente a situações controladas e internas. A jurisdição transnacional não interfere nessa disposição e pode ser aplicada livremente, conforme ratificação feita pelo Presidente do país à época.
Para evitar situações embaraçosas quanto a incompatibilidade, a opção é criar lei que regulamente a jurisdição primária de casos que podem ser sujeitados ao TPI e que defina as formas de cooperação com ele, versando ainda sobre as controvérsias que aparentemente existem entre suas normas, apagando qualquer rastro de dúvida.
REFERÊNCIAS
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 2. ed./ São Paulo: RT, 2007.
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 1291 p. v.1.
OLIVEIRA, Francisco Antônio Alves. A pena de prisão perpétua do estatuto de Roma do tribunal penal internacional. 2006. 112f. Tese (Mestrado em Direito). Universidade Católica de Brasília, Brasília.
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003. 448 p.
MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de. O Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira. In: CAMARA DOS DEPUTADOS, Comissão de Direitos Humanos. O que é o Tribunal Penal Internacional. Brasília: Coordenação de Publicações, 2000. Disponível em: <https://www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/dconstla/cont/20062/pr/pr35.pdf>. Acesso em: 0 nov. 2011.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Pena de Prisão Perpétua. Revista CEJ, Brasília, v.4, Nº 11. Disponível em: <https://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/viewArticle/345> Acesso em: 04 nov. 2011.
CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Pena de Prisão Perpétua. Revista CEJ, Brasília, v.4, Nº 11. Disponível em: <https://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/viewArticle/342/544> Acesso em: 02 nov. 2011.
STEINER, Sylvia Helena F. O Tribunal Penal Internacional, a pena de prisão perpétua e a Constituição Brasileira. In: CAMARA DOS DEPUTADOS, Comissão de Direitos Humanos. O que é o Tribunal Penal Internacional. Brasília: Coordenação de Publicações, 2000. Disponível em: <https://www.bibliojuridica.org/libros/5/2227/7.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2011.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 02 nov. 2011.
BRASIL. Decreto nº. 4.388, de 25 de setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Brasília, DF, 25 set. 2002. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm>. Acesso em: 02 nov. 2011.
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